MANUEL CHAGAS

AFINAÇÃO E REPARAÇÃO DE PIANOS

 

 


O CLAVICÓRDIO


            Os primeiros CLAVICÓRDIOS foram construídos no séc. XV e tinham apenas 20 ou 22 cordas de latão, que eram postas a vibrar por um sistema tão simples como original, mas de qualquer forma muito pouco eficaz. Na ponta da tecla havia uma pequena lâmina metálica de nome tangente, montada em posição vertical. O movimento da tecla fazia a tangente encostar à corda que era então mais "agitada" do que vibrada.

            Entre os séc. XV e XVIII o CLAVICÓRDIO passou por vários estádios experimentais que se traduziram numa interessante evolução. O número de teclas foi aumentado até ás 50, agrupadas sobre 5 pestanas, tal como no KE chinês. O tamanho das cordas aumentou de tal modo que estas ocupavam mais comprimento do que o teclado.

            Alguns dos primeiros CLAVICÓRDIOS tinham mais teclas do que cordas. Tal só era possível porque o tangente podia modular o som de acordo com a zona da corda que atacava permitindo que a mesma corda estivesse afectada a mais do que uma nota. Chegaram a ser usadas 3 teclas na mesma corda. Nos primeiros CLAVICÓRDIOS podemos mesmo encontrar teclas com 2 tangentes, o que obrigava o executante a dosear cuidadosamente o movimento da tecla de modo a que cada tangente agitasse a corda a partir do ponto ideal. Todos estes sistemas estranhos e desprovidos de lógica tornavam quase impossível  a tarefa do executante.

            Só em 1725, o alemão Daniel Faber construi um CLAVICÓRDIO com uma corda para cada tecla e com uma fita de feltro entrelaçada na parte não vibrante das cordas para evitas vibrações desnecessárias e desagradáveis.

            No início do Séc XVIII o CLAVICÓRDIO reúne já 4 das mais importantes características do piano moderno: Tampo harmónico independente, cordas de metal, o modo de agitar a corda por percussão e finalmente os abafadores. Os abafadores têm como função interromper a vibração das cordas quando se larga a tecla. Só nesta época este instrumento atingiu o estado " adulto ", permitindo que o executante se exprimisse correctamente. Apesar de apresentar um volume de som muito fraco, o CLAVICÓRDIO era capaz de produzir delicados gradientes de toque, permitindo executar crescendos e diminuendos como até então não tinha sido possível. Virtuosos como Johann Sebastian Bach e Emanuel Bach escrevem para este instrumento, tirando partido das possibilidades de vibrato que o mecanismo proporciona. O CLAVICÓRDIO foi o primeiro instrumento de tecla com "alma".

            Bach, Mozart e Beethoven, chegaram a preferir o CLAVICÓRDIO ao mais potente CRAVO e até àquele novo instrumento que dava pelo nome de PIANOFORTE.  Apesar disso muitos músicos não se satisfaziam com as performances do CLAVICÓRDIO. Havia o desejo de um instrumento de cordas e teclas que soasse mais FORTE.

 

A ESPINETA


 

            Cerca de 1503, Giovanni Spinetti, de Veneza, constrói um instrumento de forma alongada, com cordas compridas de latão e um grande tampo harmónico abrangendo a totalidade do espaço disponível, o que fazia aumentar o volume de som. Neste instrumento as cordas não eram agitadas por um tangente, mas sim postas em vibração por um plectro acoplado a um saltarelo.O plectro era feito de pena de pato e colocado na ponta do saltarelo de modo a beliscar a corda ao passar por ela. O saltarelo era uma peça de madeira fina e com cerca de 10 centímetros de comprimento, que ficava apoiada na extremidade da tecla e que acompanhava o movimento da mesma, Uma pequena peça de feltro acoplada na ponta do saltarelo fazia funções de abafador, impedindo a corda de continuar a vibrar após a tecla voltar à posição de repouso. Esse instrumento chamou-se ESPINETA.

            Apesar do sistema de funcionamento da ESPINETA não permitir qualquer expressividade relacionada com o controle da intensidade, foi um instrumento que se tornou muito popular graças ao facto de produzir maior volume de som que o CLAVICÓRDIO.

As espinetas variam o seu tamanho entre 1 metro e 170 centímetros aproximadamente. As mais pequenas podiam ser colocadas directamente sobre uma mesa, o que aumentava ainda um pouco mais o volume sonoro.

Giovanni Spinnetti fazia as suas espinetas com o teclado exterior à caixa de ressonância, tal como acontece nos pianos actuais, mas em 1550 Rossi de Milão construiu espinetas em que o teclado estava inserido na caixa, tal  como acontecia nos clavicórdios, o que tornava o instrumento mais compacto e mais facilmente transportável.

Naturalmente, vários construtores de espinetas em Itália, na Alemanha mas especialmente os ingleses experimentaram formas de incrementar o volume de som. No fim do Séc XVI Rimbault experimentou algo que parece a união de um teclado com uma harpa, que pode ser considerado uma espécie de protótipo do formato do piano vertical. Esse instrumento certamente teria um mecanismo de grande complexidade cuja construção não estaria facilmente ao alcance dos meios técnicos disponíveis naquela época. Para alguns historiadores esta estranha espineta inglesa seria o VIRGINAL. Chama-se no entanto a atenção para o 1º capítulo deste texto, onde se refere que há divergência de opiniões acerca deste assunto.

Pelos exemplares de espinetas que se conhecem, parece razoável concluir-se que os construtores da Europa continental preferiam construi-las com a caixa de forma triangular enquanto os ingleses as construíam com a caixa rectangular, mais à semelhança dos clavicórdios. A caixa em forma de asa ( tipo piano de cauda ) parece ter sido usada pela primeira vez pelo construtor Gerónimo de Bolonha em 1521.



O CRAVO

 

 

         A adopção desta forma terá sido ditada pelo desejo de um maior volume de som sem aumentar demasiado o tamanho do instrumento. A evolução deste conceito dá origem ao CRAVO, instrumento com o mesmo tipo de mecanismo mas com mais e maiores cordas. O tamanho dos CRAVOS chegou a ser aumentado até aos 5 metros.

O aumento do tamanho das cordas levantou problemas sérios e de difícil resolução: a sonoridade das cordas muito compridas e finas tornava-se desagradável nos graves por falta de "corpo" e, se as estruturas do instrumento não suportavam  a tensão de cordas grossas, pesadas e de aço, também os plectros de pena de pato, demasiado frágeis, não as poderiam fazer vibrar convenientemente.

Face a estas dificuldades os melhores fabricantes acabaram por reduzir os seus maiores CRAVOS a um comprimento vizinho de 3 metros, mas usando até 4 cordas por cada nota.

A meio do séc. XVII foram construídos cravos com 2 teclados e 3 cordas por cada nota. Como forma de aumentar ainda mais o volume e o "corpo" do som, os dois teclados podiam ser acoplados, isto é, quando se tocava num deles o outro movimentava-se fazendo soar também as suas cordas. Na mesma época surgiu também o sistema de pedal para impedir que as cordas parassem de vibrar quando se largava a tecla. Esse sistema não foi bem aceite e poucos construtores o aproveitaram.

Estas evoluções ao longo do séc. XVII tornaram o CRAVO no instrumento preferido em detrimento da ESPINETA. Todavia essa vantagem não seria assim tão duradoura. Apesar de no Séc XVIII se terem experimentado plectros com a ponta forrada de cabedal macio, a sonoridade continuava a não ser totalmente satisfatória e a total ausência de controle de intensidade em tempo real ditaram o declínio do CRAVO, que viria a ser preterido para o PIANO E FORTE.

Não deve no entanto entender-se que no fim do Séc XVIII de repente toda  gente passou a preferir o PIANO E FORTE. Há que ter em consideração que tanto o CLAVICÓRDIO como o CRAVO e até a ESPINETA eram instrumentos "adultos", que tinham atingido a "perfeição" após se terem conseguido livrar de alguns sistemas de mecanismo bizarros e das sonoridades menos satisfatórios. O próprio PIANO deve muito ás experiências que se fizeram em ambos os tipos de instrumentos, o CLAVICÓRDIO ( de corda percutida) e a ESPINETA e o CRAVO  ( de corda beliscada ), visto que ainda actualmente há elementos de ambos que nele coexistem. Salienta-se no entanto, que o piano, por ser de corda percutida, está mais próximo do CLAVICÓRDIO que do CRAVO.

 

 

 

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